24 julho 2006

Onde estão minhas coisas?

Por Risoletta Miranda (*)

É hora do “rush” no meu Inbox! 300 mensagens por dia e pelo menos umas 3 dúzias de decisões importantes que tomo em cima do que passa por ali. No hábito já natural de selecionar a partir do prioritário para o spam, em grau de importância, entra na minha linha de visão o email de um amigo querido com quem sempre troco informações sobre o futuro. O Célio veio ao mundo para fazer coisas boas. É uma daquelas pessoas de bom olhar, boa alma e inteligência acima da média. Muita acima. Algumas vezes ele me escreve sobre assuntos que poderiam, certamente, recomendá-lo para um hospital psiquiátrico (risos). Mas é nessas provocações que está o grande talento do Célio. Ele é um visionário. Está sempre sendo cutucado por alguma “alma” do futuro, que lhe questiona e ele se questiona. E, graças a Deus, ele acaba me questionando também. Daí, o meu amigo Célio tem sido, nos últimos tempos um dos meus parceiros visionários. Toda vez que um email dele bate no meu Inbox, sendo ou não hora do “rush” do spam, eu páro para ler. Ali certamente tem “provocação” da boa.

Nesta semana ele me jogou numa discussão que está apenas começando conceitualmente. Sociologicamente se fala pouco. Até porque não tem muito sociólogo prestando tanta atenção assim na internet. Antropologicamente também não... Mas somos (eu e o Célio) exemplares corretos da categoria dos “diluidores” - que segundo o grande Ezra Pound, têm mesmo essa função de pegar o conhecimento fundamental da humanidade e transformá-lo em discussão mais “corriqueira”. Por isso, aceitei a provacação. Mas o que me questiona o Célio desta vez? Desta vez diz ele:
“Rizzo,
Acho que há um novo assunto que pede a sua atenção.
Estamos vivendo uma grande mudança de paradigma, sobre a noção de ser, saber, ter e possuir. Com a invasão dos produtos online para desktop no mercado (widgets), ter já não significa mais possuir. A cada dia, a noção de "posse" se dissocia do contato físico, da proximidade, se distanciando do usuário. Num mundo onde "ter" é na verdade "saber", quais as implicações psicológicas para os usuários de serviços online ?

Seja pelo uso de serviços remotos como webmails, comunidades virtuais (orkuts, etc), celulares, palms ou outros dispositivos móveis, abrimos mão da posse física das coisas do nosso dia-à-dia, para torná-las comuns aos usuários da rede. Delegamos nossos interesses em troca de agilidade e alcance. O impacto psicológico, moral e funcional deste novo movimento ainda não pode ser mensurado devido a sua subjetividade, mas certamente provocará grandes mudanças na forma de pensar e no comportamento dos consumidores na web.

A pergunta é: Onde estão as minhas "coisas" ? “

Fim de email do Célio. Final com pergunta instigante que fica martelando na minha cabeça. O quanto já se falou (e gente que não é simples mortal diluitdor como eu) nos limites e nas características do Público e do Privado? Diante da TV, dos Big Brother da Vida, dos paparazzi e de todas as Comédias da Vida Privada, muitos já discutiram sobre essa noção do que é só meu e do que posso ou devo (ou sou obrigada) a dividir com a minha comunidade?

O que a web está fazendo, a gente sabe, é colocar mais fogo pesado nessa discussão. Verdadeiramente, em pouco tempo e de maneira inexorável para o futuro, os formatos para adquirir conhecimento, se relacionar, se comunicar e “andar” de um lado para o outro na rede também estará “reescrevendo” a fronteira da privacidade diante do sentido do coletivo. E, quem sabe, deve criar novas definições como o “privado público” (o que são Orkut e os blogs senão exatamente isto? ).

Mas porque o novo “privado público” dos blogs e comunidades seria diferente daquele dos BBB e dos paparazzi? Fundamentalmente, na minha opinião, porque pela web vamos por vontade própria, sem pressão ou condição de terceiros. Vamos por uma necessidade exarcerbada neste início de milênio, que nos leva a focar em participar de algo que consideramos bom para sermos reconhecidos como pessoas especiais e “mundiais”. Descobrimos como é fácil (e agradável) ser “celebridade” em tempo real, para uma platéia de amigos íntimos “desconhecidos”, no sentido de que eles lêem nossos blogs e tudo sabem sobre a gente mas não privam de fato de todas nossas personas. São amigos virtualmente por 24 horas mas são ilustres desconhecidos pelas mesmas 24 horas porque na rede está a minha privacidade desejada (verdadeira ou recriada ) mas não é certamente tudo o que sou. Não?.

Um exemplo? Recentemente vi uma amiga entrar pela primeira vez no Orkut. Lá foi ela, virgem de web, olhar os perfis de seu casal de filhos (um garoto de 11 anos e uma adolescente de 16). Meia hora depois o que havia diante do computador (eu estava junto) não era uma mãe qualquer. Era a mãe que, à moda web, tinha acabado de descobrir que seus filhos (suas “coisas” , afinal) eram inimagináveis, para ela, pessoas.
O garoto colocou no perfil que tinha 18 anos, citou versos de Clarice Lispector e deixou um rastro de sua personalidade “desenhada” em cada uma das comunidades que aderiu: odeio acordar cedo, vascaínos unidos,
Quem não cola, ñ sai da escola; Eu Odeio Dormir Cedo!; Eu odeio azeitona!; Pitty na veia, pagode cadeia; TENHO MEDO DO PLANTÃO DA GLOBO; Beijo bom é beijo demorado; Curta a vida pq a vida é curta; A Globo tá me perdendo!!!; Eu ando Em ksa sem Motivo; Antes do Velox eu estudava!!!; Minha mãe grita p/ caramba; Minha timidez acaba na net; Cala a boca.. e beija logo.

A mesma coisa no caso da adolescente que também “cresceu” a idade para 19 anos e desenhou um perfil baseado na Pitty, no amor pelo Kaká e em outras comunidades como:
Durmo com meu celular do lado; Não vivo fora do meu quarto .. ; Choppadas RJ; Amigo sincero beija na boca.; Eu sou estressado(a); Mulheres odiadas por namoradas; Eu quero te roubar pra mim ...; Tudo que é proibido é+gostoso!; Tô te querendo; Paz amor e 1 pouco d sacanagem; Eu adoro msgs de madrugada; Quero ganhar dinheiro DORMINDO; Amo MeninOs Com Cara De Bebê!; Quem não bebe não tem história; Todos fumam maconha, menos EU!; Kaka é o cara! ( Kaká 08 ); EU TENHO UM AMOR PROIBIDO; Eu Sou FáCiL Pra QueM Eu QueRo

Eram, definitivamente, “novos” filhos. Era, definitvamente, uma nova mãe. E agora? Isto está público ou era privado? A própria mãe se sentia “revelada” demais através dos filhos ali naquela comunidade. E depois: o quanto falar com eles sobre isto? Falar seria invadir a privacidade deles naquele mundo? Mas aquele mundo era, afinal, público ou privado? Então toda a web sabia como eles eram (ou parte deles) e ela não sabia? Mas não é assim que acontece com os filhos? Mas, espera aí, isso é web... isto é para muuuuiiitooo mais gente. E gente que sequer eles viram na vida....

Não sou psicóloga e só pude recomendar à minha amiga que tivesse cuidado ao abordar os filhos com os detalhes daqueles perfis! Até porque os filhos que ela conhecia fora da web era exatamente um outro pedaço que completava os do Orkut. O que precisava fazer sentido era outra coisa: estávamos diante de uma nova noção de compartilhamento de informação. E nunca a expressão “filhos do mundo” fez tanto sentido. Estamos cada vez mais assim. Filhos do mundo, amigos de amigos dos amigos de nossos amigos. É... famosos networks. Filhos de networks. E nossas “coisas”, Célio, onde estão? Sei lá... como você mesmo também se pergunta... não sei direito onde estão. O que sei é que não estão mais apenas com a gente! E também não me sinto confortável para dizer se isto é uma boa ou má sensação. O que sei é que é inexorável. É que é só a ponta do iceberg. Isto tudo me dá uma curiosidade... ;-)


Risoletta Miranda é sócia e Presidente da Addcomm (www.addcomm.com.br), formada em jornalismo, MBA Marketing COPPEAD/UFRJ, especializada em Planejamento Estratégico de Marketing e Comunicação On Line e uma das criadoras do Conceito de VRM – Virtual Relationship Management -, usado como metodologia de trabalho pela Addcomm.
rizzo@addcomm.com.br

Um comentário:

Unknown disse...

É uma pergunta que eu também me faço as vezes, onde estão eu e as minhas coisas???
Achei legal o relato da mãe que descobrio os filhos, fiquei pensando e cheguei a conclusão que a minha mãe talvez não me reconheceria na web.
Não que eu minta, ou invente coisas, mas vai além, na internet agente pensa que pode falar e confessar tudo sem que ninguém peça explicações, acho que isso´já era.
Com a explosão do orkut agora, daqui a pouco a minha vó me liga perguntando o que significa aquela foto com uma garrafa...